Fazia muita falta aqui o meu amigo João Gobern para precisar datas: algures, a meio dos anos 80, João Gilberto veio por fim a Portugal para alguns concertos no Coliseu de Lisboa e do Porto.
Toda a gente sabia, na organização dos espectáculos, que João Gilberto era rigoroso, picuinhas e maníaco: o som da sala e de retorno para ele próprio, a distância entre ele e o microfone, a altura da cadeira, o tipo de microfone, tudo era medido e primorosamente acertado e afinado para que o “mestre” se sentisse no seu “habitat” e produzisse um dos seus notáveis recitais. Assim foi feito na tarde antes da estreia.
Fui no primeiro dia e armei-me (uma vez mais...) em fotógrafo.
Tanto quanto apurei na altura, parece que um técnico da organização local passou pelo palco e pela “zona nuclear” de João Gilberto entre o ensaio e o espectáculo, algures na hora de jantar, e terá dado um toque ligeiro no pé do microfone da voz, ou no da guitarra, ou mesmo em ambos, alterando o rigor preciso da sua localização.
Resultado: João Gilberto abriu o espectáculo do Coliseu, executou a primeira canção, queixou-se que algo estava errado no som do microfone, tocou ainda a segunda canção depois do desesperado mergulho de um dos técnicos por sobre aquela paranóia milimétrica, mas parou, desatinou, e foi para o hotel. Não houve mais espectáculo.
Não me lembro se os espectadores viram o dinheiro de volta ou houve espectáculos extra. Como é que foi, João?